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Professores de dez etnias indígenas repassam sua cultura a colegas docentes de Altamira (PA)

Em meio às comemorações pelo Dia do Professor, qualificação de docentes da rede pública municipal sobre cultura indígena é realizada por professores de 10 etnias indígenas no Projeto Permear

Em 2009, há quase 15 anos, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie conquistou o mundo com sua palestra “O Perigo de Uma História Única”, em que falou sobre a necessidade de diversificarmos as fontes do nosso conhecimento. A valiosa lição, que é até hoje um dos vídeos mais assistidos da história do YouTube, se aplica a todos nós e deve ser um motor, inclusive, para o mundo da educação. Afinal, o que temos em nossos livros de História pouco passa pela cultura dos nossos povos originais, mas ouvi-los é importante para termos dimensão da pluralidade cultural do nosso país.

Às vésperas do Dia do Professor (15/10), é importante pensarmos além do valor que esse profissional tem na amplificação de ensinamentos, considerando também o seu processo de capacitação. Essa é a proposta do Projeto Permear, uma iniciativa inédita no Brasil em que um grupo de dez professores indígenas estão capacitando professores não indígenas da rede pública do município de Altamira, no Pará. Serão no total 112 horas de capacitação até dezembro desse ano.

Quem e quantos são em cada aldeia, onde e como vivem, que línguas falam, hábitos alimentares, rituais tradicionais, crenças e tradições culturais são alguns dos ensinamentos passados durante o projeto. As aulas fazem parte do terceiro módulo de qualificação profissional dessa iniciativa, inédita no Médio Xingu, com o tema “Histórias e Culturas Indígenas: eles por eles mesmos”.

“Eu vejo como uma oportunidade única. Nos dá autonomia e liberdade também para falar do nosso povo, de como nós somos diferentes de outros povos indígenas que existem no Brasil e no mundo todo”, afirma o professor indígena Kwatirei Assurini, da Terra Indígena (TI) Koatinemo, habitada por mais de 330 pessoas em sete aldeias, entre elas a Kwatinema, onde ele vive e de onde trouxe experiências aprendidas com os anciãos para compartilhar em sala de aula. Ele conta que seu povo foi nômade por muito tempo, mas se fixou e preza pela sustentabilidade, plantando mandioca, batatas, legumes, cacau, arroz e outros alimentos.

Iniciado em agosto deste ano, o projeto é executado pelo Belo Monte Comunidade, programa de responsabilidade social da Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Semed). Estão sendo capacitados educadores do ensino Fundamental Maior, do 6º ao 9º ano, com o objetivo de preparar o corpo docente sobre a temática étnico-racial da cultura indígena, levando genuíno conhecimento desses povos originários. A metodologia agradou os participantes.

Tarzys Reis é professor de história com 10 anos de experiência em sala de aula no Pará e há três está no quadro da Secretaria de Educação de Altamira. Para ele, a experiência de ter uma formação com os professores indígenas é uma oportunidade única. “É nessa riqueza das etnias, da cultura deles que a gente vai conseguir encontrar até um pouco de nós mesmos, do nosso trabalho e da função que exercemos”, explica Tarzys, que se surpreendeu com as histórias narradas pelos indígenas.

Para ele, um resultado primordial dos três primeiros módulos do Permear foi a compreensão de que é necessário romper com os estereótipos e ir além do material didático. “O livro nos traz uma forma pronta e aqui a gente percebe que essa forma não se aplica em todos os casos. Então, ter esse contato com a diversidade que eles estão trazendo é enriquecer a nossa prática e, principalmente, os nossos alunos com esse conhecimento”, relata o professor que, assim como os mais de 30 educadores não indígenas, já está colocando em prática os novos saberes em sala de aula.

Também professor indígena, Tàkàk Jakare Xikrin conta que a TI Trincheira Bacajá é formada por 37 aldeias, onde vivem cerca de 1.200 pessoas. Em sua aldeia, a Rapko, 18 famílias preservam sua cultura, são os guardiões da floresta e de sua história. Para ele, preparar e ministrar aulas para este público, foi uma felicidade. “Na nossa convivência lá na aldeia, a gente faz festa, comidas tradicionais. E a gente vem preparando isso para mostrar: a culinária, o território e algumas tradições que a gente está trazendo para cá para explicar como é nossa realidade e nossos costumes”, compartilhou. “O conhecimento dos brancos vem e a gente fica com muito medo de perder nossa língua”, relatou também o professor, ao contar que aprender a falar o português foi necessário e que da mesma forma que se esforçou, é preciso que os não indígenas aprendam e ajudem a preservar a língua indígena.

Sheyla Kuruaya foi eleita pelo Movimento Indígena do Território Ednoeducacional do Médio Xingu (TEEMX) como Coordenadora de Educação Escolar Indígena na Semed. Para ela, que além de servidora pública é representante indígena, o Permear é muito importante para valorizar a cultura de seu povo, principalmente por vir ao encontro do que determina a legislação brasileira sobre a inclusão das temáticas étnico-raciais nas metodologias e práticas de ensino. “A ideia é que sejam valorizadas as histórias dos povos da nossa região, e esse projeto pode ser também implementado em outros estados brasileiros, porque sabemos que os povos (indígenas) estão em todos os lugares do Brasil e temos histórias para contar”, afirma Sheyla.

A antropóloga Vanessa Caldeira, especialista em Sustentabilidade da Norte Energia, é a coordenadora do programa. Ela conta que o projeto foi pensado para ser desenvolvido em quatro módulos, com uma metodologia inovadora.  “O Médio Xingu é uma região em que temos dez etnias, então é um público muito diverso. Como é uma primeira experiência, entendemos que deveria ser desenvolvida como um piloto nessa parceria público-privada para depois pensarmos na possibilidade de expandir”, aponta Vanessa, ao mencionar que entre os primeiros resultados também surgiu a oportunidade de tornar o Permear uma linha de pesquisa a nível de extensão na Universidade Federal do Pará.

Fotos: Divulgação / Norte Energia

Altamira-PA, 11 de outubro de 2023. 

Assessoria de imprensa

Pedro Alves
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Israel Carvalho

Israel Carvalho é jornalista nº. DRT 10370/DF e editor chefe do portal Gama Cidadão.

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