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Menino de 8 anos cria livro para expressar o universo do autismo
Obra mostra a relação dele com sons, cheiros e cores, e reúne 12 desenhos do menino, escolhidos pela mãe dele, Marcia Troncoso
Páginas coloridas com desenhos e frases mostrando como são os cinco sentidos de um garoto com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Assim é o livro Eu sou o PP, feito pelo artista Pedro Paulo Troncoso Furtado, o “PP”, de 8 anos. A publicação reúne 12 desenhos do menino, escolhidos pela mãe dele, a arquiteta Marcia Troncoso. Ela contou com o auxílio da designer gráfica Maylena Clécia para confeccionar o material em 16 páginas e que passa a ser o primeiro produto da Coleção Artista Coleção Autista. A obra traz um autorretrato do autor na contracapa.
“Como professora de arquitetura, eu vejo que a linguagem artística fala mais do que mil palavras. Procurei focar nos desenhos que tinham relação com os sentidos. A partir das ilustrações, eu perguntava sobre o ponto de vista dele e ele ia se soltando”, conta Marcia.
A arquiteta descobriu que o filho era autista quando ele tinha 2 anos. Até os 4 anos, Pedro não falava. Por isso, o desenho era uma das formas de comunicação para ele. Rabiscando e colorindo, o pequeno PP foi informando como era seu mundo. Assim, ele encontrou um meio de contar por que não gosta de cinema e o que o fazia preferir um determinado animal de estimação. Em uma das frases do livro, Pedro se refere a um desinfetante de pisos dizendo que “o cheiro é azul e limpo”.
“Os sentidos são mais aguçados neles. Por isso, ele prefere os gatos, que são mais silenciosos e delicados, respeitam o espaço dele. Ele também não gosta de cinema porque é barulhento”, explica a mãe. Mais do que servir como uma forma de expressão para o filho, a arquiteta pretende que a obra seja uma ferramenta para ajudar outras crianças autistas a se descobrirem e se reconhecerem. A própria ideia de transformar os desenhos em livro surgiu da escassez de produtos do tipo no mercado.
“Senti falta de um texto para eles. A gente vê livros para os pais, para especialistas, mas não há nada para as crianças. No livro, o PP está falando dele, uma linguagem dele, mais objetiva, direta, que é o jeito que eles se comunicam com o mundo. Em geral, eles sofrem bullying nas escolas porque as outras crianças não entendem como é esse mundo deles”, constata a mãe.
Para conseguir extrair o melhor do filho, ela procura fazer com que PP aprenda e interaja brincando. O lúdico é um elemento importante na comunicação do autista, detalha a arquiteta. Para as páginas do livro, os desenhos de PP ganharam um colorido diferente e reforço nas frases escritas pelo próprio artista. “A Maylena fez nas mesmas cores, preservou a letra. A gente só alterou para ficar mais legível, e a coloração é fiel, só que mais forte”, afirma Marcia.
Planos
A primeira tiragem da publicação foi de 500 cópias. O produto pode ser adquirido pelo site da Viva Editora, criada por Maylena especialmente para viabilizar a publicação. A criadora da Viva Editora, Maylena Clécia, também tem um filho autista — hoje com 35 anos. A ideia da designer é que a Coleção Artista Coleção Autista ofereça cada vez mais títulos para leitura não só do público com o transtorno, como também para familiares e pessoas que queiram entender esse universo. Ela não descarta que até mesmo os desenhos do filho, Gabriel, resultem em uma publicação no futuro. “Depois do livro do PP, eu passei a pensar em fazer um dele também”, adianta.
Uma segunda edição do Eu sou o PP está em estudo. Marcia e Maylena buscam apoio e doações. Por se tratar de uma obra com acabamento especial, o custo de confecção é diferenciado. A publicação tem formato quadrado e uma abertura também quadrada na capa, como se fosse uma moldura.
“A primeira tiragem foi assim. A gente não fez um crowdfunding, mas foi pedindo para familiares e amigos. Quem podia ia doando. Estamos atrás de patrocínio, negociando para ampliar a edição. Eu acho que toda biblioteca pública deveria ter um livro como este”, ressalta Marcia, que é doutoranda em arquitetura e autismo.
Desafios enfrentados
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) pode envolver atrasos e comprometimento do desenvolvimento, tanto de linguagem quanto no comportamento social. Existem diferentes graus dentro do espectro autista, entre eles o da Síndrome de Asperger, que acomete Pedro Paulo. Os sintomas podem ser emocionais, cognitivos, motores ou sensoriais. O diagnóstico definitivo é dado após 3 anos e as causas ainda não são definidas. O Dia Mundial do Autismo é celebrado em 2 de abril. Durante a data, familiares de autistas e especialistas lembram os desafios enfrentados e que precisam ser superados por quem convive com o transtorno e que precisam ser superados, como a dificuldade do diagnóstico e a garantia de direitos.
Fonte: Correio Braziliense – 03/04/2018 06:00