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Juíza lança livro sobre trabalho doméstico remunerado e desigualdades no país
Lançamento será no dia 15 de março, às 19h, em roda de conversa na Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10a Região - Brasília e Tocantins
A partir do olhar transdisciplinar sobre a exploração do trabalho doméstico e seus desdobramentos, a juíza do trabalho Maria José Rigotti Borges escreveu o livro “Ouçam Mirtes, Mãe de Miguel: trabalho doméstico remunerado e desigualdades no Brasil”, pela editora Appris. O livro parte da análise de um acontecimento trágico para compreender as estruturas sociais de um país. Mirtes do título foi atravessada pela terrível tragédia da morte de seu filho, Miguel, de 5 anos, no apartamento de luxo em Recife em que trabalhava como doméstica, em plena pandemia. Miguel foi deixado sozinho no elevador pela patroa de Mirtes, resultando em sua morte, em 2 de junho de 2020. Ouvindo a voz de uma mãe de quem foi roubada a vida do seu filho, assim como de outras vozes envolvidas na sua luta por justiça, a autora elabora uma reflexão aprofundada sobre os meandros da divisão sexual do trabalho, do patriarcado, do racismo e da colonialidade no Brasil e revela as relações complexas entre uma ordem econômica e social desigual e a vida quotidiana das trabalhadoras domésticas, numa perspectiva interseccional. A obra é fruto de pesquisa da dissertação da juíza, defendida no mestrado em Sociologia da Universidade de Coimbra, em Portugal. O lançamento em Brasília será no dia 15 de março, às 19h, em uma roda de conversa na Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 10a Região (SEPN Quadra 513, Lotes 2 e 3, Salas – 502 e 508).
“Como juíza do trabalho, me instigava o fato desta categoria ser tão invisibilizada e de se constituir numa complexidade que diz muito sobre a sociedade que somos. Estava iniciando a pesquisa sobre o trabalho doméstico, quando a tragédia ocorreu. Assisti às entrevistas da Mirtes e fiquei muito tocada. Me ocorreu, então, fazer um estudo de caso, olhando profundamente para o fato. Eu não queria realizar uma abordagem espetacularizada, em respeito também ao luto que a família ainda vive. Minha ideia era falar da desproteção trabalhista, da naturalidade com a qual se vê o trabalho doméstico como um não-trabalho. O trabalho doméstico remunerado no Brasil é um tema ainda bastante invisibilizado e demanda mais pesquisas. Pensar em publicar esta pesquisa como livro é um meio de tirar o véu dessas indiferenças e tornar acessíveis o conhecimento e as reflexões feitas”, salientou a autora.
Maria José Rigotti Borges contou com o incentivo e permissão de Mirtes para tomar este caso como objeto de estudo. “O livro tratou a questão com bastante sensibilidade e humanidade, trazendo uma visão técnica, para que a gente se informe sobre o que acontece com o trabalho doméstico. Serve também para que o Judiciário entenda com mais cautela a questão e analise com propriedade todos os casos de trabalho doméstico que acontecem no tribunal”, disse Mirtes, a mãe de Miguel. Atualmente, ela é bacharel em Direito e ativista de questões raciais e de Direitos Humanos.
De acordo com a autora, há em torno de seis milhões de mulheres no país, a maioria negras, trabalhando para classe social média e alta, a maior parte de famílias de pessoas brancas. Além da informalidade em torno de 70%, tanto por opção legislativa, caso das diaristas, como por cultura enraizada ilícita de não registro na carteira de trabalho. Outra esfera são os direitos ainda desiguais em relação a outras categorias, resquícios fortes de um passado escravocrata e do pós-abolição, ainda inconclusa. O livro aborda também o fato de que a tragédia decorre de um longo processo de desumanização envolvendo pessoas negras e pobres.
“Eu observei esse caso como um microcosmo de um fenômeno que segue acontecendo neste país. Mirtes era empregada doméstica que continuava trabalhando em plena pandemia, sem seus direitos trabalhistas respeitados. A forma como o trabalho doméstico é visto na nossa sociedade torna tudo ainda mais grave, não como um trabalho, mas um papel de servidão. Assim, adotei como critério para a seleção de análise “ouvir a voz” de Mirtes e, na sua potência, o que foi amplificado em outras vozes envolvidas na sua luta por justiça”, enfatizou.
“Ouçam Mirtes, mãe de Miguel”, título do livro, foi o lema da campanha por justiça iniciada por Mirtes logo após o falecimento de Miguel, na qual se uniram vários coletivos, ativistas, artistas e movimentos sociais. “Mirtes se transformou, com o tempo, na ativista de causas raciais e de Direitos Humanos. Foi uma mulher que transformou o luto em luta”, conta a autora.
Sobre a autora: Maria José Rigotti Borges é juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 10a Região (DF/TO). Mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Epistemologias do Sul pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), em Direito Público pelo Instituto de Direito Público (IDP) e em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Pesquisadora do grupo de pesquisa Capital e Trabalho (GPTC/USP). Membra da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Coordenadora da Comissão de Combate ao Trabalho Escravo do TRT10 e coordenadora do Grupo de Estudos Interseccionais sobre Equidade de Gênero, Raça e Diversidade.
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