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Água

José Garcia
Poeta Ambientalista

             Quando penso que o planeta Terra é formado em sua base por 75% de água e apenas 25% de outras matérias, chego a ficar impressionado. Talvez, seja este o motivo de o homem — único ocupante deste hábitat capaz de fazer história — não dar a mínima importância a esse líquido tão importante para a sua vida. Não tenho notícias de outro vivente que tenha saído por aí rabiscando paredes de caverna e legando para a posteridade material capaz de significar alguma trajetória. Viventes, aliás, que desenhavam, inclusive, outros viventes que pretendiam caçar, aprisionar ou, simplesmente, se defender de seus possíveis ataques.

             Uma coisa que sempre me impressiona no homem é a sua capacidade de deslocamento, outro fato que o relaciona com sua composição hídrica. Sim, pois pensemos se o caso fosse o contrário, em vez de 75% de líquido apenas os 25%, e os outros 75% fossem de matéria bruta. Este vivente, certamente, não teria transposto a barreira da primeira caverna. E a água sempre abundante por onde passou lhe permitiu andar, nadar, deitar e rolar em solo fértil.

             Quando penso em água, penso, também, nos outros elementos que compõem a atmosfera terrestre e que juntos representam o único pensamento de solidariedade absolutamente inquestionável. Juntos, os quatro elementos são essenciais à vida: Água, Terra, Ar e Fogo. Que maravilha! Nada nos faltará. Pisando sobre a terra, nadando sobre as águas, respirando o ar, aquecendo-se ao fogo, o homem foi longe. E esse deslocamento é que sempre me chamou a atenção. Porém, o homem, mesmo diante de tanta evidência, não parou para observar que a água representa a síntese de sua existência, pois é nela que ele exerce seu maior direito: o direito de ir e vir, portanto, a liberdade garantida em todas as constituições não seria possível se o homem fosse composto por 75% de outra matéria senão pela “Santa Água”.

             Certa vez, participando de um seminário sobre meio ambiente, lembro que muito se falou de História, da Água, do Relevo e dos Povos do Cerrado, ouvi vários mestres ambientalistas discorrerem suas teses e apresentarem bibliografias pomposas. Eis que um jovem Geógrafo (Jaime Campis), não que fosse recém-formado, porém, com um currículo ainda em formação, posso dizer assim, em sua fala, foi desconstruindo todas as bibliografias salientadas pelos mestres. As pessoas ali presentes foram ficando apreensivas com a postura do rapaz. Até que, em um dado momento, um dos participantes do seminário tomou a palavra e indagou: “Então, em que devemos nós lhe orientar, meu caro rapaz? ”. A pergunta foi feita em tom amistoso. O palestrante não se fez de rogado e foi logo respondendo: “Guimarães Rosa, caro mestre.” (disse o rapaz). “Guimarães Rosa e Euclides da Cunha. E, por fim, Paulo Bertram!”.

             Hoje, eu incluiria uma goiana. Uma goiana que, na verdade, nem é tão goiana assim. Isso mesmo! Nem é tão goiana assim… Cora Coralina tem um pezinho muito bem calcado nos rincões nordestinos. Basta ler com atenção seu sobrenome para descobrir de quem ela é parenta de sangue, Lins do Rego Brêtas, Terras de Engenho, embora seus familiares por parte de mãe sejam goianos do pé rachado. Não se trata de comparar Cora a outro autor. Isso seria uma ingenuidade. Porém, sua obra e sua biografia não deixam dúvidas. Cora conta por onde é o caminho das pedras; diz onde a onça vai beber água. Isto de um ângulo muito peculiar, pois se trata do ponto de onde os bandeirantes rumaram para o norte em busca dos cristais e do metal.

             Cora não se esquece dos povos. Os primeiros ocupantes do tabuleiro, berço das águas. Jamais se esqueceu da origem do pai. Sou cangaceira (disse a poetisa de Goyaz). Quando me remeto à Cora, refiro-me novamente ao deslocamento, o tempo que uma missiva levava para ir e vir da Capital de Goyaz à Capital Federal, sendo levada pelos mesmos meios de transportes usados na época. O lombo do burro! Depois, por via náutica, pelo Rio Grande onde logo surgiria o povoado de Barreiras, no Estado da Bahia, dando início à famosa rota do sal.

             Quando aquele jovem Geógrafo encerra sua fala, homenageando Paulo Bertram, ele nos remete a um fato pouco comentado para além da psicologia. Refiro-me ao mito da caverna cujo tempo já imemorial ultrapassa nossas existências. E me indago se, hoje, estamos no tempo da caverna. Um tipo outro de caverna na qual se misturam as de Platão e de Saramago a nos deixar na escassez e excesso na mesma medida: a insustentabilidade de nossas soberbas e enganos ao que nos dá vida — Água: “[…] o conceito de ter água significa ainda propriedade do recurso natural e esta precariedade mental tem sido uma estratégia geopolítica eficaz para a manutenção da ‘Geografia da invisibilidade e da ignorância espacial.”, afirmou Rafael Sanzio, no Seminário Águas Acima: presente e futuro das nascentes, em 19 de março de 2015, ocorrido no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Sem vegetação não há água e se o Cerrado se extinguir, o fim dos rios e dos reservatórios de água será fato consumado. O Professor Sanzio, que é Geógrafo, ainda nos apresenta, como exemplo básico, os espaços impermeabilizados no território do Distrito Federal, causadores de um processo crescente de áreas alagadas e inundadas nos espaços urbanos. Usamos como ferramentas básicas de trabalho as imagens cartográficas e as fotografias, pelas suas eficácias para revelar e interpretar a Geografia real e suas dinâmicas. Com essas referências preconizamos estar somando para o amadurecimento das discussões, onde a questão do contexto atual do lugar indefinido da água no setor decisório e nos distintos mosaicos sociais sejam tratados com mais seriedade.

             Já é de se perceber que, no Distrito Federal, a escassez e o excesso da água se alternam no meio urbano e rural e causam danos à natureza. E o abastecimento de água potável ocupa lugar das novas preocupações governamentais e, segundo Aldo Paviani, a oferta e o consumo de água no DF estão relacionados à constante expansão urbana, com abertura de novos assentamentos, enquanto os mananciais chegam ao seu limite.

             Faço, então, minhas as questões de Paviani. De onde virá o volume de água para atender a “Capital do Terceiro Milênio”? Saberemos educar a população para debelar o desperdício e o desabastecimento? Existe alguma possibilidade de refrear a expansão populacional no interior do DF de maneira a dar oportunidades alternativas na Periferia Metropolitana de Brasília?

             Ora, uma alternativa é o armazenamento da água da chuva em grandes tanques como tenho sugerido fazer no Cose Gama Sul. Porém, não devem ser esperadas apenas medidas educativas e consciência para se atingir tal finalidade, evitando-se carências futuras, mas também (e isto urge), políticas públicas que saiam do ostracismo.

 (Este artigo será proferido por Jose Garcia, no Seminário Águas Acima: presente e futuro das nascentes no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal). 

O seminário é amanhã, dia 21 de março, às 14:30h no endereço SEP/SUL EQ 703/903 CONJUNTO “C”, a palestra de José Garcia é às 18:00

 

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