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Ele criou banheiros para comunidades carentes e conquistou Bill Gates
Jack Sim criou a Organização Mundial dos Banheiros. Projeto ganhou aportes milionários por melhorar condições de saúde pública em países pobres
Ter muito dinheiro é o suficiente para se realizar pessoalmente? Para muitos, pode ser. Mas para o empresário de Cingapura Jack Sim, ter sido dono de 17 empresas até os 40 anos de idade não bastava. Não porque faltasse dinheiro, mas sim significado. Hoje, sendo o principal incentivador da construção e modernização de banheiros no mundo, e tendo atraído a atenção de personalidades como Bill Clinton e Bill Gates, ele se sente satisfeito por ter mudado o rumo de sua vida e ajudado na saúde pública.
Sim é o criador e mantenedor da World Toilet Organization, ou Organização Mundial dos Banheiros, que luta por melhorias nas condições dos banheiros em todo o mundo para evitar problemas de higiene e saúde pública. Começou essa trajetória em 1998, deixando de lado os negócios na construção civil em que trabalhava até então e indo busca de algo que satisfizesse sua vontade de resolver grandes problemas sociais.
“Naquele ponto da vida, eu decidi que tinha bastante dinheiro para fazer algo que tivesse maior sentido. Você precisa de dinheiro para pagar as contas, claro, mas precisa também de algo que dê significado a elal”, conta Sim, em entrevista a PEGN.
Até pela experiência nos negócios envolvendo construção e aquisições de imóveis, o então empresário reparou que grande parte dos banheiros de seu país e de outros da região era bastante precária. E que aquilo gerava problemas não só às pessoas, mas para as próprias empresas também. “Eu tinha que convencer donos de shopping centers de que eles perderiam dinheiro se não investissem em banheiros melhores para seus clientes. E fui a escolas explicar que ter banheiros decentes ajudaria na concentração dos alunos e no bem estar deles. Parece óbvio hoje, mas era um tabu na época”, explica.
Dos trabalhos iniciais com a Associação de Banheiros de Cingapura, ele descobriu que não havia um órgão centralizado para abordar esse problema internacionalmente. Assim surgiu a WTO em 2001, que foi rapidamente abraçada pela ONU em suas ações pela saúde pública. O Dia Mundial dos Banheiros, celebrado em 19 de novembro para lembrar que mais de 2 bilhões de pessoas ainda não têm acesso a um banheiro em boas condições, e 830 milhões ainda defecam a céu aberto, é fruto da parceria entre as duas organizações.
As ações e parcerias com governos se proliferaram, e motivaram, por exemplo, um investimento de US$ 20 bilhões (R$ 74 bilhões) do governo da Índia – país que tem na falta de saneamento básico um de seus principais problemas sociais – e na construção de 110 milhões de banheiros para a população. Na China, Jack Sim ajudou a organização dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, a preparar banheiros que atendessem com qualidade os milhões de visitantes que o país recebeu.
Faltava, no entanto, cativar a comunidade empresarial. O instrumento de Sim e da WTO para isso foi criar a SaniShop, uma franqueadora social que capacita empreendedores a comercializar kits montáveis de banheiros de baixo custo em comunidades carentes. O negócio encantou o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, que usou sua fundação Clinton Global Initiatives atrair financiamento de empresas como Unilever e a Fundação Rockfeller para a iniciativa.
Na época, quem ouviu falar disso foi ninguém menos que o empresário e filantropo Bill Gates. “Ele simplesmente viu o que estávamos fazendo e resolveu gastar US$ 200 milhões (R$ 740 milhões) em um projeto de revitalização e criação de banheiros”, conta Sim. A causa se tornou uma das mais caras para a Bill & Melinda Gates Foundation, que criou até um grande evento – A Exposição de Banheiros Reinventados, que ocorreu em Pequim em novembro passado – para incentivar soluções nesse campo.
Para o fundador da WTO, não foi exatamente uma surpresa ver as elites governamental e empresarial se comover com uma questão que pode parecer tão simplória. “Uma vez que você mostra a importância do assunto, mais pessoas aderem à sua ideia, seja qual for o status delas. Isso acontece quando não se tenta ter o controle de tudo. Você tem que deixar o controle com outras pessoas e permitir que se apropriem e continuem seu trabalho”, afirma.
Hoje, ele se sente “verdadeiramente transformado” por ver como sua preocupação ganhou status global, ajudando milhões de pessoas em todo o mundo. “Quando estiver no fim da minha vida, e pensar no que eu fiz pelas pessoas, poderei estar orgulhoso”, garante.
O legado dessa iniciativa é passado pelas edições anuais do Encontro Mundial dos Banheiros, que acontece desde 2001 e teve a última edição realizada em Dubai, nos Emirados Árabes em novembro passado. Jack Sim, que teve passagem recente pelo Brasil, diz já ter proposto a autoridades daqui a realização da que seria a primeira edição sul-americana do evento. “Estive nas praias do Rio de Janeiro e vi como é difícil que muitos banhistas, principalmente as mulheres, consigam se aliviar de forma confortável e rápida. Haveria muito o que dizer no Brasil”, diz Sim.
A importância de causar impacto social
Atualmente, ele se mantém com a propriedade e aluguel de vários imóveis que manteve da época do trabalho na construção. Administrar a WTO também não é exatamente difícil, já que apenas cinco pessoas trabalham na organização de forma fixa. “Temos doadores e contribuições de empresas que ajudamos, que ajudam nessa manutenção. Não é necessária uma grande estrutura, porque os recursos para resolver esses problemas não estão conosco, mas sim com as pessoas, empresas e governos que vão se mobilizar a partir do nosso incentivo”, explica.
Para Sim, mesmo que não seja possível para muitos se dedicar exclusivamente a uma causa social, como ele resolveu fazer, vale a pena que qualquer empreendedor tenha alguma ação do tipo para ajudar sua comunidade – ou até mesmo o mundo todo.
“Mesmo se você tem uma pequena startup, você tem que pensar grande, e em que impacto você quer causar em muitas pessoas. E se você pensar dessa forma, vai expandir seu mindset e perceber que não pode ser egoísta ao ponto de não causar nenhum impacto bom para elas. E para isso não é preciso abrir mão do dinheiro, apenas se lembrar de que ele não é tudo.”
Por Rafael Faustino
Fonte: Revista Pequenas Empresas Grandes Negócios (Globo) – 14.01.2019