Entrevista

Arruda x Campanella: “A raposa estava cuidando do galinheiro”

Brasília não merece essa volta ao passado

Em entrevista exclusiva, diretor-geral do DFTrans defende Agnelo e acusa Arruda de ter entregue a máquina pública sucateada.

Pré-candidato a deputado federal, o atual diretor-geral do DFTrans, Marco Antônio Campanella (PPL), não tem meias palavras ao comentar a herança que recebeu do ex-governador de José Roberto Arruda. …

“No transporte, nós tínhamos uns 15% de noção do que iríamos encontrar. Quando chegamos, encontramos o DFTrans sem planejamento, não havia respeito à fiscalização e às vezes nem ao cumprimento da legalidade”, diz, aborrecido.

De acordo com Campanella, foram necessários dois anos para colocar ordem na casa. “Na minha pasta, a raposa estava cuidando do galinheiro. As empresas privadas não só operavam a frota, como cuidavam do dinheiro e da bilhetagem com total autonomia”, revela.

Disposto a mudar esse quadro, o diretor-geral lançou um novo modelo de licitação do transporte público que considera mais transparente e flexível. Se a nova proposta é ou não melhor, o tempo dirá. O certo é que ela desagradou as maiores empresas prestadoras de serviço de transporte, que impetraram quase 200 ações na Justiça para impedir a nova licitação de sair do papel. O DFTrans venceu a batalha e recentemente iniciou o processo de mudança do transporte público da capital.

Em entrevista exclusiva ao portal Plano Brasília, Campanella comenta as eleições 2014, explica porque a rodoviária do Plano Piloto está um caos e defende a priorização do transporte coletivo em detrimento do individual. “Esse é um processo de mudança cultural, e vai depender muito da implantação de um serviço de transporte público de qualidade na cidade”. Confira os melhores momentos da entrevista:

Plano Brasília: O que mudou no Marco Antônio Campanella que combatia a ditadura militar no MR-8, foi para o MDB e hoje está no PPL?

Marco Antônio Campanella: Se tem uma coisa que nós procuramos preservar é a nossa identidade e coerência na política. Outro dia, eu estava revisando o material da minha primeira campanha eleitoral para deputado federal, em 1986, e boa parte das propostas que eu fiz naquele tempo continuam atuais. São desafios que o Brasil ainda não conseguiu superar. Nós continuamos vivendo uma situação de subdesenvolvimento econômico e social. Em muitos terrenos conseguimos avançar, em outros não. Nós precisamos romper com essa estrutura econômica extremamente dependente do Brasil. E essa tem sido a prioridade do nosso partido, o PPL, criado em 2009 justamente porque não conseguimos identificar em outros partidos um projeto nacional de desenvolvimento do país. Nós ainda temos uma estrutura econômica capitalista extremamente dependente de grupos financeiros econômicos e industriais, e isso gera uma situação de muita desigualdade. Essa coerência eu mantive. O que eu defendia naquele tempo é o que continuo defendendo, guardada as mudanças ocorridas no cenário nacional e internacional. Muitos partidos políticos se afastaram da sua identidade original e se afastaram da população. E as pessoas, de certa forma, também se afastaram da política e passaram a vê-la como algo sujo.

PB: Como partido de esquerda, o PPL vai estar apoiando o PT nas eleições 2014?

MAC: No âmbito local, estamos fechados com o PT. Entendemos que o governador Agnelo está fazendo um governo que fortalece e recupera a gestão do estado sobre educação, saúde e transporte. Em relação à presidência, ainda não fechamos posição. Existe um diálogo com o PSB de Eduardo Campos, mas o PPL apoiou a Dilma em 2010 e estaria dispostos a apoiá-la de novo. Estamos discutindo isso bastante, internamente, e não podemos descartar uma parceria com o PSB já que temos muitos pontos de identidade programáticas com eles.

PB: Onde estão os pontos de convergência entre o seu partido e Eduardo Campos?

MAC: O ponto principal é o entendimento sobre a necessidade de industrialização do país. O Brasil ficou em penúltimo lugar em crescimento econômico na América Latina, atrás apenas do Haiti. Nós tivemos o pior desempenho industrial dentre os países emergentes. Países como a Venezuela, o Chile e a Argentina cresceram, em média, 4%, 5 %ou 6%. Já o Brasil cresceu apenas 2%. Nos outros BRICs, o crescimento foi ainda maior. Hoje, nós continuamos sendo exportadores de matéria prima e produtos fracamente industrializados. Por outro lado, somos grandes importadores de tecnologias e medicamentos. Ao comprar esse tipo de produto, nós estamos gerando empregos qualificados lá fora e nos mantendo na periferia da economia internacional. Nossa mão de obra fica concentrada na agricultura, no comércio e no setor de serviço, mas não nos mercados de tecnologia e inovação. Assim, fica inviável crescer de forma sustentável. É preciso investir mais em educação superior, em pesquisa, em inovação para crescer.

PB: Em relação ao governo local, Agnelo vem sendo duramente criticado pela oposição e até mesmo por uma ala descontente do PT. Por que ele demorou tanto a apresentar resultados?

MAC: O que aconteceu foi que nós recebemos a máquina pública em uma situação de caos e sucateamento. Na minha pasta, por exemplo, a raposa estava cuidando do galinheiro. As empresas privadas não só operavam a frota, como cuidavam do dinheiro e da bilhetagem com total autonomia. Uma das primeiras decisões do governador foi nos dar condições de assumir o controle antiga Fácil, que era a associação privada controlada pelas duas empresas que mandavam do transporte coletivo do DF. A partir dali, recuperamos a gestão e conseguimos lançar essa nova licitação que fará uma mudança estrutural no serviço que será oferecido a população. Estamos, no momento, trocando a frota antiga por uma nova. O próximo passo será repensar a lógica da operação, dando prioridade ao transporte coletivo. Queremos lançar em breve o veículo rápido sobre trilhos, vamos fortalecer a faixa exclusiva de ônibus e tomar outras medidas que priorizem o transporte da população e não apenas dos indivíduos isolados.

PB: Os brasilienses não reclamam da qualidade ônibus, mas acham que a frota é pequena para atender a demanda. O que está sendo feito para resolver esse problema?

MAC: Com esse novo modelo de licitação do transporte público, nós ganhamos liberdade para solicitar mais ônibus quando não for possível racionalizar a frota no horário de pico. No modelo antigo, dependíamos sempre de uma nova licitação quando havia aumento de demanda em uma região. O que eu quero deixar claro é que estamos fazendo tudo para fortalecer o transporte público no DF. Existe uma pesquisa que mostra que das 24 horas do dia, nós trabalhamos oito horas, dormimos oito e nas oito horas restante ficamos de 30% a 40% do nosso tempo no trânsito. Isso é desumano. Nós temos de tentar resolver essa questão do transporte público, priorizando o transporte coletivo. Hoje, prioriza-se o transporte individual em detrimento do coletivo. E isso atende principalmente aos interesses das empresas montadoras de automóvel, que são todas estrangeiras. No Brasil acontece o seguinte: como o transporte coletivo não é forte, os brasileiros compram carros e abarrotam as vias, que não têm capacidade para abarcar o fluxo e o contra-fluxo diário de automóveis. A solução para esse problema é planejamento. A faixa exclusiva foi uma primeira solução que demos e que está acelerando o transporte público, beneficiando uma grande quantidade de pessoas. Mas esse é um processo de mudança cultural, e vai depender muito da implantação de um serviço de transporte público de qualidade na cidade.

PB: Como o DFTrans pretende resolver esse problema da rodoviária, que está um caos?

MAC: O caos da rodoviária do Plano Piloto tem ligação direta com o transporte do entorno. Quando chegamos no DFTrans, encontramos uma gestão compartilhada com o chamado transporte metropolitano que atende aos moradores do entorno. Essa operação é realizada não pelo DFTrans, mas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT). Por causa disso, não temos poder de fiscalização dessa frota que vem do entorno. O máximo que podemos fazer com autuar um ônibus ou motorista, mas a fiscalização e penalização por qualquer problema fica a cargo da ANTT. Essa crise que explodiu no entorno é a demonstração cabal do esgotamento desse atual modelo de gestão. Nós temos de trabalhar para concluir rapidamente esse processo e assumir, junto com governo de Goiás, a responsabilidade dessa gestão Até porque, a maior parte quilometragem dessa frota ocorre no DF. Do ponto de vista da rodoviária temos de buscar uma solução de curto e longo prazo. A de curto prazo foi deslocar o transporte metropolitano da plataforma inferior para a superior e daqui a 60 dias vamos colocar essa operação na parte de trás do prédio do Touring. No médio e longo prazo, temos de integrar essa frota do entorno à frota do DF. A rodoviária esgotou sua capacidade operacional. Ela tem de receber apenas os ônibus do DF. Os ônibus metropolitanos, que vão para o entorno, têm de sair de outro ponto.

PB: E como fazer a integração no sentido leste-oeste? O zebrinha, que deveria fazer isso, não está mais funcionando..

MAC: Nossa primeira providência foi tirar o antigo operador do zebrinha. Também renovamos toda a frota e, agora, queremos voltar à lógica original do zebrinha que é de integrar as pessoas no sentido leste-oeste, ou seja das avenida W3 para as L2 e L4. O objetivo é fazer isso sem que as pessoas tenham de dar a volta inteira na cidade. Mas já estamos começando a fazer os ajustes na operação.

PB: Para finalizar, como o senhor vê as tentativas de candidatura ao Buriti de Arruda?

MAC: Como bem disse nosso governador, seria um horror. Brasília não merece essa volta ao passado. Nada contra a pessoa, mas foi um momento trágico para a cidade. Com o governo Agnelo, o DF saiu das páginas policiais para entrar em um agenda positiva. E demorou justamente porque a herança era muito grave. No transporte, nós tínhamos uns 15% de noção do que iríamos encontrar. Quando chegamos, encontramos o DFTrans sem planejamento, não havia respeito à fiscalização e às vezes nem ao cumprimento da legalidade. Nós tivemos de enfrentar quase 200 ações na Justiça para liberar o novo edital do transporte, dentro de um modelo de licitação transparente e bem planejado. Então voltar ao passado seria um retrocesso. Queremos que a mudança que está acontecendo no DF seja uma mudança positiva e sem retorno.

Fonte: Revista Plano Brasília – 31/03/2014 – – 12:09:06
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Israel Carvalho

Israel Carvalho é jornalista nº. DRT 10370/DF e editor chefe do portal Gama Cidadão.

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